sábado, 9 de novembro de 2013

Organização criminosa e associação criminosa


Por Celso Coutinho, filho. Promotor de Justiça da Comarca de São Bento-MA


Como é sabido, encontra-se em vigor a Lei nº 12.850/2013, que tipificou o crime de organização criminosa. Já começam a aparecer, sobretudo na esfera doutrinária, estudos que procuram estabelecer diferenças entre esse referido crime e o tipificado no art. 288 do Código Penal, agora chamado de crime de associação criminosa.

Preocupa-me um entendimento que, não me espantará, pode ganhar força na comunidade jurídica e ter pronta receptividade do Poder Judiciário. Reporto-me ao entendimento pelo qual o crime do art. 288 do CP, a partir da Lei nº 12.850/2013, passa a referir-se, somente, às infrações penais cujas penas máximas sejam inferiores a 4 (quatro) anos. Trata-se, a meu ver, de mais uma mirabolante acrobacia hermenêutica para beneficiar criminosos neste país.

Estou de acordo que, realmente, com o advento da Lei nº 12.850/2013, passou a existir, uma diferença conceitual entre organização criminosa e associação criminosa. No entanto, não posso concordar que a referida Lei tenha, tacitamente, descriminalizado a associação para cometimento de crimes cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos. Pensar o contrário não traz dilemas apenas de ordem jurídica, mas, também, lógica e social.

Em meu entendimento, a diferença entre organização criminosa e associação criminosa está, estritamente, no modo de constituição do grupo criminoso, no grau de requinte na formação da quadrilha ou bando.

Pela combinação do art. 1º, § 1º, com o art. 2º, § 3º, da Lei nº 12.850/2013, tem-se que a organização criminosa exige o agrupamento de, pelo menos, quatro pessoas, estruturalmente ordenado e caracterizado pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, sob um comando individual ou coletivo, com o fim de cometimento de infrações penais que tenham penas máximas superiores a 4 (quatro) anos.

A associação criminosa (art. 288 do CP) é menos sofisticada, bastando três pessoas, não exigindo estrutura ordenada, nem divisão de tarefas, como também prescinde de um líder.

Na organização, deve haver o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais com penas máximas superiores a 4 (quatro) anos. Na associação, a reunião de pessoas para o cometimento de infrações não exige o objetivo de obtenção de uma vantagem, podendo ocorrer com o simples fim de emulação, perversidade etc.

A triunfar o entendimento de que o art. 288 do CP traz, nesse tipo penal, o elemento objetivo implícito do cometimento de crimes cujas penas máximas sejam inferiores a 4 (quatro) anos, estaremos diante de uma teratologia jurídica, porquanto a associação para cometimento de crimes mais graves deixa de ser apenada, enquanto a associação para o cometimento de crimes menos graves fica passível de reprimenda penal. Mais especificamente, somente para ilustrar, três ou mais pessoas que se associarem para cometerem lesões corporais simples responderão pelo crime de associação criminosa, enquanto três ou mais pessoas que se associarem (não é se organizarem) para cometerem homicídios ficarão isentos dessa imputação.

É preciso reagir a mais essa travessura hermenêutica para facilitar a vida de criminosos neste país, tão ao gosto de nossos incautos  - e outros traquinos - garantistas jabuticabas.

domingo, 3 de novembro de 2013

Recorte do livro dos amores (1)


Ela não gostou. Saber daquele modo a verdade. Sua mãe e um caso, durante a separação, nos tempos do sindicato. Trinta anos depois, saber. Seu pai não seria seu pai. Ficaram uns oito anos juntos. Um câncer de mama levou-a, ano passado. Ele é louco pela última mulher. Louco, não; exagero, gosta. Mas, nem com esta tomou juízo por uma vida, digamos, normal. E o que seria isso, de normal, entre aspas: uma vida normal? Ou pelo menos que tivesse mais... equilíbrio... responsabilidade... Sinceramente... Vive ao seu modo, para si. Não ia dar certo. A mulher preocupou-se com o filho, pois ele o deseducava. Ótima pessoa, entendido, inteligente e tal, mas fazer o quê? Tinha medo que o menino copiasse o pai. Essas coisinhas: ela fazia de um jeito, ele levava o menino para outro rumo. Guardam alguma paixão, mas não voltam mais. Três anos. Talvez ainda se encontrem por aí. Com a cabeça que ele tem, quem diria, implicava quando vestia uma roupa nova ou arrumava o cabelo, até com o decote da calcinha. Ela me contou, e nem quis acreditar: o cara que já foi comunista de discursos, como um proprietário. A filha o ama, mesmo agora, quando ele veio pedir dinheiro emprestado, outra vez.

domingo, 13 de outubro de 2013

Milagres


Ela não mais o quer. Não sabe se ainda o ama. Vive compenetrada no medo do que ele diz e das coisas que ela ouve o mundo dizer; por isso teme a morte e que ele a mate, mesmo. Descreve as fortes investidas do medo, pondo as mãos sobre as faces, imitando o Grito de Munch, – que não conheceu, nem terá tempo e motivos para isso. Só não quer morrer baleada, assada, retalhada, como lhe anuncia com galhofa o neto infame, – “filho” que cria há 16 anos, desde o parto. Chora seu desassossego, esconde os olhos entre os dedos macilentos, balança a cabeça, treme o corpo, perde-se em prantos, suspira, implora entre gemidos. Não! Não! Não! Não! Não quero morrer; tirem ele de minha casa. Ele abandonou os estudos e se inscreveu na graduação da clássica rebeldia sem causa: álcool, fumo, farras, xingamentos, ameaças, e já se abastece de outras drogas. Ao que tudo indica, ela deve esperar a morte anunciada ou iniciar amizade com algum desses santos que atendam milagres.

domingo, 22 de setembro de 2013

Com este sinal vencerás


Terreno em que quase sempre vigora a paixão, à qual a razão ainda oferece algum suporte, não de hoje, creio, de sempre e “per omnia saecula saeculorum”. O termo não poderia ser mais apropriado: partidária – porque não representa o todo, só parte. Sob suas siglas, um perfeito parvo se transmuta em cândido idealista; sob siglas alheias, quem tiver virtudes será apupado como hipócrita, pelo simples fato de estar nessas, não naqueloutras siglas ou bandeiras. Sob o cetro da paixão partidária, “mutatis mutandis”, tanto faz a massa ignara do rincão ou a nata enfatuada do ateneu: alimentam-se do mesmo colostro e arrotam pelo mesmo motivo. Nesse terreno, oportunistas de toda ordem e inocentes úteis – sempre muito úteis, mesmo que não se julguem “inocentes” – são congregados para conjugarem os mesmos verbos para outros sujeitos tíbios de predicados. "In hoc signo vinces".

sábado, 14 de setembro de 2013

(in)Diferenças


Até agora, os que morrem não retornam, mesmo porque todos merecem o descanso eterno. Mas estamos nos habituando em demasia às perdas. Se a indesejada tem direito a um quinhão diário, não deveria violar a preferência da antiguidade. Sim, primeiro os primeiros. Não “os últimos serão....”, não. Perdas próximas, perdas de notáveis – dos quais guardamos cúmplice ilusão de proximidade – e essas incontáveis perdas anônimas, às centenas, aos milhares e mais, colhidas pela miséria, pelas guerras, pelo trânsito, pelas catástrofes, pelos homicidas, latrocidas, pesticidas. As mortes evitáveis deveriam levantar-nos do cômodo. No Serengeti, quando felinos se lançam à caça de zebras, gnus, búfalos ou gazelas, os que ficam fora do raio de ação, ou dele se afastam, lançam discreto olhar sobre a morte alheia e continuam a pastar, com sua vida que segue. Mesmo sendo animais, poderíamos ser diferentes: menos indiferentes.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Talento


Sobre o palco, a diva, absoluta em corpo, roupas, essências e maquiagem, o procura. Deve ser um dos muitos pares de olhos da assistência. Ela crê que o seja. Rompem aplausos, começa. A voz levanta versos e notas em tons e modos tão unicamente delicados, que, aos poucos, um arrepio se alonga no corpo e na alma de todos. Em cada música, ela transborda a divina alegria dos amantes enamorados. E o público, cúmplice do mesmo enlevo, embarca num delírio que viola as imperfeições da realidade. Nesse êxtase, o mundo inteiro parece bom. Parece. Mas, não é ele. Tinha mesmo dito fim. Rompem aplausos. E a diva torna ao palco, absoluta em sofrimento e pranto. A voz arrasta versos e notas em tons e modos tão unicamente repletos de desespero que, aos poucos, não há olhos sem gêmeas lágrimas, ou corações sem frescas chagas. Pela força que a dor empresta ao talento, ela impinge a todos parte do abandono que a encarcera. Canta e encanta. Irrompem aplausos, suspiros, gritos e mais aplausos cheios de admiração e respeito. Para os fãs, a consagração do mais puro talento. Para ela, a certeza do quarto solitário, da cama fria e vazia, onde, horas mais tarde, encontram uns comprimidos, uma tesoura aberta, um talho nos pulsos.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Outono


Quase assim. Não tinha dúvida que eram muitos e alguns até belos, de bom gosto e rima. Ouvira isso, para lustro da vaidade. Por eles nutria a sensação que se guarda das coisas simples e puras, ditadas pela honestidade de uma alma gentil. Mas saboreava incompletas lembranças, e não conseguia resgatar da memória encanecida a mesma ordem daquelas palavras e, principalmente, os efeitos que elas tinham assumido com seu estilo – a seu único e parcial juízo – inusitado e criativo. Vezes tentava, em vão, pois nenhum deles retornava à luz, imolando-se a meio do caminho memorial, numa sensação esquisita, repetitiva, perniciosa. Ora, ora. Justo quando findos esses anos de trabalho pela sobrevivência, escalando os degraus da aposentadoria, seria o momento de retocá-los e, garimpando simpatias ou favores, publicá-los nalgum sarau literário ou num respeitável espaço cibernético, já não os via, nem os burilava por tempo considerável. Ó tempo rei! Mesmo com tanto esforço nessa lida, não conseguia encontrá-los. Agora, atarantado, indagava à mulher, à filha, ao neto, consultava o cachorro: Rita, onde estão meus versos?

domingo, 8 de setembro de 2013

À espreita


Ninguém torça pelo final, tal qual se apresenta, entre pai e filho, a morte. E como ela espreita! Dias antes, o moço, em modos rudes, foi à autoridade reclamar sua parte sobre direitos da falecida mãe: um pouco de gado e a banda de uma casa. Retornou do Tocantins, onde se fizera homem, e, agora, com mulher, tem pressa. Lacônico, mentiu, não sobre os bens, sobre o genitor, como se este o malquisesse, ou pretendesse lhe usurpar o quinhão. Saiu a troçar pelas ruas, sobre as falas que o pai haveria de engolir da autoridade, e com o álcool nas veias, esmurrando mesas, repetia seu desiderato, sob os olhos ávidos dos oportunos amigos de copo. Correm os dias, o pai chega à autoridade, e num fôlego de quase trinta minutos, relata as agruras desde o câncer da esposa, as idas a Teresina, o tratamento doloroso, o sofrimento e o fim. Do casal de filhos, o menino, muito cedo, metera-se na habilidade de frequentar jogatinas, e de pegar dinheiro onde não devia, inaugurando algumas vergonhas familiares que, se não próprias da juventude, teimam em começar por aí. Em socorro, a tia se ofereceu para recebê-lo no Tocantins, mas, em meia dúzia de anos, seu único ganho foi pôr um corpo avantajado sobre seu espírito perdulário. Nem escola, nem emprego, nem relação decente, nada o contentou. Sua avidez pelo dinheiro, pela dissipação, o trouxe de volta à cidade e à turra com o pai: que vendesse o gado, vendesse a casa, e lhe desse a sua parte. Ao chegar ao capítulo dos entreveros e das ameaças, o relato do pai se fraciona, entrecortado por soluços e suspiros mal contidos, e como se pilotasse a nau do desespero, e soubesse, com a morte à espreita, onde tudo pode soçobrar, arremata seu pranto, indagando um conselho, uma providência. “– Fuja!”.

sábado, 7 de setembro de 2013

Lona


Vamos abrir porta, janela, arejar a casa, ir à rua, num giro sem pressa. Desconter o riso e lançar cumprimentos a um e outro. Esquecer o ontem na despensa dos ontens, e desembrulhar o celofane do dia, buscando palavras para as ideias que não morreram, ainda. Calar esta mudez incômoda.

Esses meses e meses sem nada escrever, confesso, têm me envelhecido a alma. Vezes retornei aqui, elaborei pensamentos, mas não laborei a página, e tudo continuou nada, pois não há aplicativo para upload e download de pensamentos.

Morri de desinspiração, mas não quero morrer. Por isso, recomeço, da lona.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Que é de a virgem?

Por Celso Coutinho, filho. Promotor de Justiça da Comarca de São Bento/MA

PEC 37, PEC 75 ... aí vai. E olha que a nossa Constituição de 1988 é classificada como rígida. Devem ter estudos que desmoralizam isso.

O fogo está cerrado contra o Ministério Público brasileiro que, definitivamente, está sendo encarado por um significativo número de deputados e senadores como a instituição que deva ser combatida, o inimigo, mas que não é de ocasião. É caso pensado, bem pensado mesmo.  

O Ministério Público está criando antipatias pelos seus acertos e é, por isso, que está sendo atacado. O pior é que seus detratores parlamentares estão contando com o apoio de muita gente boa, conquistada para a causa por razões notadamente corporativistas e, outras também, por pura desinformação.

Não! Não são os erros do Ministério Público que lhe está colocando como alvo desses ataques. Os erros existem – sou um de seus apontadores - como existem, de resto, em todas as instituições públicas, o que não justifica nada. Porém, rebatem os seus detratores que são os excessos do Ministério Público que justificam essa investida.

Ora, deem-me paciência! Em matéria de excesso, qual é a instituição virgem neste país? Existe alguma imaculada nesse rol? Punam-se os autores do excesso. Que se lhes apliquem a legislação punitiva própria. Ela já existe. O país não precisa de mais leis. Aliás, somos o país que mais tem lei no mundo. É lei pra de manhã, pra de tarde, de noite, pra maré enchendo, pra maré vazando ... Querem, contudo, fazer mais leis. Querem coibir excessos? Pois, aprovem a PEC 300, a reestruturação da Polícia Federal ... Ah! Que tal editarem lei que determina a perda do bem cujo proprietário não tenha como explicar licitamente a sua origem? Tem uma casa, um apartamento, um carro, uma lancha, um helicóptero, um jatinho ou um bombom pepper? Não tem como justificar a origem? Desapega, dá tchau pra ele. Votem e aprovem.

É para discutirmos excessos das instituições públicas brasileiras – e eu acho que é – vamos discutir. Se o mote é esse, é inaceitável que nos contentemos em diminuir uma instituição apenas. Vamos diminuir todas, e, portanto, diminuir o país e, assim, tornar isso aqui um “salve-se quem puder”. Vamos discutir e resolver a questão dos excessos do Ministério Público? Vamos, concordo plenamente. Vamos, contudo, fazer o mesmo com a Polícia, o Executivo, o Judiciário, o Legislativo etc. Não dá é para o Ministério Público ficar como bode expiatório nessa história, onde todos os pecadores queiram lhe colocar a mão na cabeça e espiar seus pecados, para depois voltarem a se refestelar no banquete do farisaísmo. Já passou do ponto. E, aqui, é sempre importante repetir. Não são os excessos do Ministério Público que ensejaram essa cruzada. É, exatamente, o contrário. São os seus acertos.

Se houver alguém que deva ser punido – e há às mancheias – que se puna. Pode ser do Ministério Público, da Polícia, do Executivo, do Judiciário, do Legislativo etc. As leis estão aí. Votar mais leis é uma das formas mais engenhosas de se enganar a população. A impunidade é uma chaga que assola este país e que, somente, é superada pela escolha adrede de um diabo para se exorcizar. Aliás, esta última, em verdade, é uma das maiores parideiras de impunidade. Na Antiguidade, o sacerdote punha a mão na cabeça de um bode e nele depositava todos os pecados do povo. Depois largava o animal sozinho num ambiente selvagem, condenado à morte, enquanto os fiéis ficavam livres de todos os demônios, prontos para voltarem ao regozijo do que bem que quisessem.

Há quem esteja de boa fé embalando a rede armada pelos politiqueiros que morrem de medo de um sistema penal eficiente, tentando empurrar uma jabuticaba podre e envenenada goela abaixo de todos nós. Refiro-me aos politiqueiros, porque bem sei que os políticos merecem ser distinguidos, assim como os médicos e os charlatães. A população foi fundamental para enterrar a PEC 37. Precisa ser avisada que os congressistas estão querendo, agora, lhe dar um passa-moleque.
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